sexta-feira, 28 de março de 2025

Tiradentes: quem foi, o que fez e por que se tornou herói nacional


Tiradentes: quem foi, o que fez e por que se tornou herói nacional

Descubra os mitos, verdades e contradições por trás desse símbolo da história brasileira
 26/03/2025 | 12h51
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Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como Tiradentes, é um dos personagens mais emblemáticos da história do Brasil. Foi a única pessoa condenada à morte pela Coroa portuguesa após a Inconfidência Mineira. Sua coragem e posicionamento tornaram-se  símbolo da resistência à dominação colonial e isso fez com que ele fosse considerado, até hoje, um  herói nacional.

Mas afinal, quem foi Tiradentes? Qual a real importância de sua atuação na história brasileira? E por que sua imagem se tornou tão relevante no imaginário nacional, sendo homenageado em feriados e estampando a moeda de cinco centavos? Entenda essas e outras questões a partir de uma perspectiva crítica da história brasileira aqui.

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes

Joaquim José da Silva Xavier nasceu em 1746 na região da Fazenda do Pombal, localizada nas proximidades do arraial de Santa Rita do Rio Abaixo, em Minas Gerais.

Filho de Domingos da Silva Santos, um fazendeiro de origem portuguesa, e de Antônia da Encarnação Xavier, Tiradentes foi o quarto entre sete irmãos. Após a morte precoce dos pais, desenvolveu diversas habilidades e exerceu diferentes profissões ao longo da vida, atuando como comerciante, tropeiro, minerador e militar nas regiões de Minas Gerais e do Rio de Janeiro.

Como não possuía formação escolar completa para atuar como dentista, mas dominava o uso de ferramentas e sabia realizar extrações dentárias, trabalhava como dentista prático. Foi assim que o apelido “Tiradentes” surgiu e acabou sendo sua principal identificação ao longo da vida – e, mais tarde, na própria história do Brasil.

A inconfidência mineira

A Inconfidência Mineira foi uma das primeiras tentativas de romper com o domínio colonial português no Brasil. Embora não tenha sido um movimento que nasceu de uma base popular, ela representou a insatisfação da elite da capitania de Minas Gerais, que não queria mais pagar os altos tributos impostos pela Coroa portuguesa.

Influenciada pelas ideias do iluminismo, movimento que surgiu na Europa no século 18 e defende mais liberdade e menos absolutismo, essa elite mineira desejava criar uma república autônoma em Minas Gerais para se livrar da influência portuguesa.

Esse grupo de pessoas era, mais especificamente, formado por padres, militares e fazendeiros e ficaram conhecidos como “inconfidentes”, nome dado pelos portugueses para rotular quem conspirava contra o governo.

Pintura de Carlos Oswald, “A bandeira dos Inconfidentes”. Óleo sobre tela.

Pintura de Carlos Oswald, “A bandeira dos Inconfidentes”. Óleo sobre tela.

A relação entre o Quinto, a Derrama e o “santo do pau oco”

Dois elementos centrais para entender a revolta são o Quinto e a Derrama. O Quinto era o imposto que obrigava os mineradores a entregar 20% de todo o ouro extraído à Coroa portuguesa. Quando a produção de ouro começou a cair, os colonos não conseguiam mais pagar esse valor e foi aí que a Coroa determinou a Derrama, uma cobrança forçada que autorizava autoridades fiscais a confiscar bens e propriedades para cobrir os valores devidos.

Fato curioso sobre o tema é que para escapar dessa cobrança pesada, era comum esconder o ouro dentro de coisas que as autoridades não confiscariam, como imagens religiosas ocas – especialmente santos de madeira.

Assim, o que parecia uma peça de fé era, na verdade, um disfarce para contrabando. A prática se espalhou tanto que virou não só lenda popular, mas símbolo da criatividade (e da resistência) contra os abusos fiscais da época.

Imagem em madeira de Nossa Senhora e Jesus Cristo sob anjos com um buraco oco para armazenamento de ouro na época da inconfidência. Imagem: Reprodução.

Imagem em madeira de Nossa Senhora e Jesus Cristo sob anjos com um buraco oco para armazenamento de ouro na época da inconfidência. Imagem: Reprodução.

Participação de Tiradentes na inconfidência mineira

Apesar da Inconfidência Mineira não ter escalado para uma revolta armada e ter se concretizado apenas como uma conspiração, essa cobrança forçada foi claramente o estopim para uma revolta generalizada entre os inconfidentes.

A conspiração ganhou força entre 1788 e 1789, reunindo figuras influentes da região, como Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa. Porém, antes que o plano de revolta começasse, um dos envolvidos delatou o movimento para a Coroa portuguesa e, em troca, recebeu o perdão de suas dívidas.

Com a traição, os conspiradores foram presos e enviados ao Rio de Janeiro – na época, a capital do Brasil. Tiradentes, que fazia parte do movimento inconfidente e estava na cidade na época, foi capturado e passou três anos preso até ser julgado.

Em 1792, foi condenado à morte por enforcamento. Sua execução foi escolhida porque Tiradentes, embora não fosse o líder do movimento, era o mais pobre dentre os inconfidentes, o mais engajado e, também, o que mais se expunha publicamente, tornando-se, aos olhos da Coroa, o rosto da rebelião.

Joaquim José da Silva Xavier morreu no Rio de Janeiro, mas isso não foi suficiente para a Coroa à época. Após o enforcamento, seu corpo foi esquartejado e cada parte dele foi enviada para “exposição” em cidades de Minas Gerais. A escolha era clara: os portugueses queriam deixar um recado para qualquer um que ousasse conspirar contra o poder da metrópole.

Porém, o que antes era uma sentença de silenciamento, acabou transformando Tiradentes em um dos principais heróis nacionais.

Monumento em homenagem a Tiradentes em Minas Gerais. Foto: Reprodução

Monumento em homenagem a Tiradentes em Minas Gerais. Foto: Reprodução

De criminoso à mártir

Com a Proclamação da República em 1889, os novos governantes brasileiros passaram a buscar heróis nacionais que representassem os ideais desse novo momento: liberdade, igualdade e rejeição à monarquia.

Foi aqui que a imagem de Tiradentes foi ressignificada. De traidor, passou a ser celebrado como mártir da pátria, um exemplo de coragem e sacrifício em nome da independência.

Curiosamente, a forma como Tiradentes passou a ser representado após sua morte contribuiu ainda mais para a construção desse mito. Pinturas e esculturas produzidas a partir do final do século 19 começaram a retratá-lo com cabelos longos, barba espessa e expressão serena, muito semelhante às tradicionais imagens de Jesus Cristo.

Essa representação simbólica tinha um propósito: reforçar a ideia de que Tiradentes foi um “sacrifício humano” pela liberdade do povo brasileiro, alguém que entregou a própria vida por uma causa maior. Ao associá-lo visualmente à figura de Cristo, o novo regime republicano criava não apenas um herói nacional, mas também um ícone moral.

Assim, Tiradentes deixou de ser apenas um personagem histórico e se tornou um mito fundacional da República, presente em monumentos, livros didáticos, feriados e até na moeda de cinco centavos. Sua imagem, cuidadosamente construída, mostra como a história também é feita de escolhas simbólicas: um “criminoso” aos olhos de um regime pode virar herói aos olhos do outro.

Dia de Tiradentes

Dia de Tiradentes, celebrado em 21 de abril, foi instituído como feriado nacional no Brasil para homenagear Joaquim José da Silva Xavier e reforçar sua imagem como mártir da independência. A data foi oficializada no final do século XIX, já no período republicano, como parte do esforço dos novos governantes para criar símbolos que representassem os ideais de liberdade e rompimento com a monarquia.

Hoje, o feriado é um marco para refletir sobre a luta contra a opressão colonial e o papel desses movimentos separatistas na história do país.

Óleo sobre tela intitulado “Tiradentes Esquartejado”, pintado por Pedro Américo em 1893.

Óleo sobre tela intitulado “Tiradentes Esquartejado”, pintado por Pedro Américo em 1893.

A trajetória de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, desde sua atuação na Inconfidência Mineira até sua consagração como herói nacional, nos mostra como a história vai muito além dos fatos: ela é também construída por narrativas, símbolos e disputas de memória.

A figura de Tiradentes foi cuidadosamente moldada para se tornar o símbolo de um novo projeto político. Ao transformar o “criminoso” da monarquia no mártir da república, os republicanos reforçaram os valores que desejavam transmitir à nova nação: liberdade, resistência, sacrifício e idealismo.

Mas por trás da imagem glorificada, há um homem que, embora tenha questionado o domínio português, não propunha igualdade social nem a abolição da escravidão. A história conta que Tiradentes e sua família tinham escravos na Fazenda do Pombal, onde nasceu.

É justamente neste momento que precisamos olhar criticamente para a história. Por que escolhemos determinados heróis? O que essas escolhas revelam sobre o país que estamos construindo? E o que silenciamos quando glorificamos certas figuras? Essas perguntas não servem para desmerecer o papel de Tiradentes, mas para compreender como a história pode ser usada como instrumento de poder, identidade e legitimação política.

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