terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Polícia Civil é denunciada por 'perseguição organizacional' contra investigadora em BH Ação na Justiça pede uma indenização de R$ 1,8 milhão por danos morais; vítima teria sido perseguida por denunciar colega que cometeu importunação sexual


DEFENSORIA PÚBLICA

Polícia Civil é denunciada por 'perseguição organizacional' contra investigadora em BH

Ação na Justiça pede uma indenização de R$ 1,8 milhão por danos morais; vítima teria sido perseguida por denunciar colega que cometeu importunação sexual


Por José Vítor Camilo
Publicado em 17 de dezembro de 2024 | 12:10

Uma investigadora poderá ser indenizada em R$ 1,8 milhão pela Polícia Civil de Minas Gerais. A instituição foi denunciada à Justiça por supostas perseguições promovidas como retaliação após a servidora denunciar um colega de trabalho por importunação sexual. O TEMPO teve acesso às 18 páginas da ação de reparação de danos movida pela Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), que apontou que a policial foi transferida várias vezes após denunciar o colega, inclusive sendo colocada para trabalhar em unidades onde estavam amigos e testemunhas de defesa do homem.

A importunação sexual teria ocorrido em fevereiro de 2020, no momento em que a investigadora Jaqueline Evangelista Rodrigues, de 49 anos, estava sozinha com o colega na viatura, após levarem uma suspeita para o Presídio Feminino de Vespasiano, na região metropolitana de Belo Horizonte. No trajeto, que fica em um local deserto, o suspeito teria perguntado para a policial o que eles fariam para “comemorar a prisão”, sugerindo que ela poderia lhe dar “um beijo”, “um abraço” ou “outras coisas”.

Dias depois deste episódio, porém, a investigadora voltou a ser importunada pelo suspeito, que a teria surpreendido enquanto ela fazia um café, abraçando a policial por trás, chegando a apalpá-la e a cheirá-la “com lascívia”, conforme a ação da DPMG. Em entrevista, a investigadora contou que só criou coragem para denunciar o colega ao superior alguns meses depois.

“Eu sabia que eu não poderia contar isso pois eu sofreria o que eu estou sofrendo hoje, toda a perseguição e retaliação por estar denunciando um colega. A Polícia Civil não aceita que a pessoa que não é da corregedoria denuncie um colega. Eles entendem como uma traição, e estou sofrendo por conta dessa subcultura”, disse Jaqueline. Mas, apesar do medo, o relato dela ao superior acabou culminando em uma denúncia do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) contra o investigador, pelo crime de importunação sexual. 

A ação da Defensoria indica que, ao longo da ação movida pelos promotores, surgiram relatos de outras servidoras públicas contra o mesmo agente, apontando até mesmo que o denunciado tinha o apelido de “touch screen”, por estar sempre “abraçando e tocando” nas colegas mulheres.

“Entretanto, não obstante o nítido perfil abusivo do condenado criminal, sua punição administrativa limitou-se a 45 dias de suspensão, convertida em penalidade de multa (...) Referida decisão apenas evidencia o perfil da instituição, que privilegia a manutenção de servidor que infringe graves disposições legais e quantifica em valor pecuniário e ínfimo o custo de importunar sexualmente uma mulher”, detalha a ação movida pelo DPMG. 

Perseguição organizacional

Na ação judicial, a DPMG cita o que chamou de “perseguição organizacional” da Polícia Civil contra a mulher. O órgão lembra que desde julho de 2020 - pouco tempo após a denúncia -, Jaqueline já foi transferida de unidade pelo menos cinco vezes. “Ressalta-se que as diversas movimentações caracterizam retaliação velada e impactam a vida. Isso porque a repetida mudança compromete a estabilidade necessária para o desenvolvimento da carreira, interrompe projetos e vínculos e promove a perda da identidade profissional”, diz a defensoria.

Outras formas de perseguição apontadas pelo órgão são a demora no andamento do procedimento administrativo contra o investigador denunciado; a criação de obstáculos para impedir o acesso ao processo; a colocação da denunciante em setores “hostis a sua presença”, inclusive sendo colocada para trabalhar com testemunhas de defesa do policial denunciado; discriminação de colegas e superiores no ambiente de trabalho; imposição de acúmulo de tarefas; além da instauração de “inúmeras sindicâncias e procedimentos administrativos em seu desfavor”.

Adoecimento

Por fim, a ação da Defensoria cita o processo de adoecimento físico e mental que a investigadora sofreu durante todo este processo. No processo, foram anexados laudos que comprovam que a policial precisou ser acompanhada por nutricionista, hematologista, gastroenterologista, psiquiatra e psicólogo, além de ter passado a fazer uso de medicamentos para sua saúde mental.

“É uma violência institucional muito grande que eu estou sofrendo. Por isso, agora eu comecei a judicializar. A Polícia Civil tentou me aposentar alegando que eu tenho transtorno de personalidade, mas não conseguiram, pois apresentei laudos do meu psiquiatra e do SUS comprovando que não estou paranóica. Agora, eles (instituição) estão tentando me expulsar com várias sindicâncias em que não me dão direito de defesa, negam as minhas testemunhas e me punem por coisas que eu não fiz. Por isso, eu cheguei à conclusão que  só a exposição que vai me proteger”, afirmou Jaqueline.

Diante disso, a DPMG solicitou cinco indenizações, sendo a principal delas no valor de R$ 1 milhão por danos morais para “compensar as importunações sexuais sofridas”. As outras quatro indenizações, todas no valor de R$ 200 mil, são referentes à punição “ínfima” administrativamente; à perseguição organizacional; pelo adoecimento físico e mental da investigadora; e, por fim, para compensar a “ocorrência de inúmeros casos semelhantes” e a “falha do Estado em fornecer um ambiente seguro e saudável” para as servidoras.

Outro lado

Procurada pela reportagem de O TEMPO, a Polícia Civil informou, por nota, que o servidor denunciado foi investigado e indiciado, com o inquérito policial sendo remetido à Justiça. “No âmbito correcional, o agente público foi punido pela prática de infração disciplinar, com publicação no Diário Oficial. O art. 234-B do Código Penal impõe sigilo aos casos. A PCMG esclarece que o servidor continua na instituição, não havendo, até o presente momento, notificação judicial acerca de sua eventual demissão”, escreveu.

Ainda conforme a instituição policial, sobre a ação movida pela DPMG, a Polícia Civil informou apenas que a Advocacia Geral do Estado (AGE) prestará todas as informações “no curso do processo”.

“A PCMG reforça o compromisso de respeito e valorização dos seus servidores, prezando por um ambiente de trabalho livre de todas as formas de assédio. Para tanto, promove campanhas permanentes de conscientização sobre o tema, divulga os canais de denúncia e investiga, com rigor, os casos noticiados pelos canais oficiais, a saber: Disque Ouvidoria 162, Disque Denúncia Unificado 181 e Setor de Atendimento às Partes (SAP) da Corregedoria Geral de Polícia Civil: Avenida João Pinheiro, 417, Boa Viagem”, concluiu.

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