quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Segurança Pública ou Centralização do Poder? Os Perigos Ocultos da Nova PEC

 

Segurança Pública ou Centralização do Poder?

Os Perigos Ocultos da Nova PEC


Tyago Cruz Por Tyago Cruz em 06/11/2024 - 06:00



A recente Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança Pública, apresentada pelo governo federal, suscita dúvidas e receios sobre seu impacto na autonomia dos estados e no pacto federativo brasileiro. Proposta sob a justificativa de uma maior integração, a PEC sugere a criação de um Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e de uma “Polícia Ostensiva Federal”, concentrando atribuições que, pela Constituição de 1988, foram conferidas aos estados. Essa abordagem reflete um viés centralizador que põe em risco a eficiência e a agilidade das ações de segurança pública, especialmente em contextos regionais e locais que exigem estratégias customizadas.

A PEC propõe que a segurança pública nacional siga um modelo unificado, com base em um sistema que tenta replicar o formato do SUS, colocando o Susp na Constituição e padronizando procedimentos em todo o país. No entanto, essa tentativa de centralização ignora a complexidade das dinâmicas criminais regionais e impõe uma burocracia que, ao invés de integrar, pode sufocar a autonomia dos estados. Esse novo sistema “único” de segurança pública não se justifica diante das evidências: os estados possuem um conhecimento profundo de suas realidades locais e têm maior proximidade com as necessidades das comunidades. Uma estrutura engessada e gerida de Brasília dificilmente conseguirá substituir a capacidade dos estados de responder com agilidade e adequação às demandas de segurança locais.

A criação da Polícia Ostensiva Federal é outro ponto alarmante. Com a proposta de absorver as atribuições da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e expandir sua atuação para ferrovias e hidrovias, o governo federal sugere uma nova polícia com perfil ostensivo, mas sob o comando direto da União. Essa alteração viola o princípio da subsidiariedade, que determina que o governo federal só deve intervir quando os estados realmente não têm capacidade de fazê-lo. No entanto, essa nova polícia federal aparece não como uma força de apoio, mas como uma entidade que limita a atuação das polícias estaduais, fragmentando os esforços de combate ao crime e subtraindo a experiência estratégica e o conhecimento regional das forças locais.

Outro aspecto preocupante da PEC é a tentativa de constitucionalizar o Fundo Nacional de Segurança Pública, vinculando seus recursos aos critérios da União. Em tese, um fundo constitucional representa estabilidade financeira para o setor, mas, na prática, ao colocar esses recursos nas mãos de Brasília, retira dos estados a liberdade de definir prioridades conforme a urgência das situações locais. Essa medida impõe uma lógica burocrática e centralizadora que pode resultar em políticas distantes das realidades de quem realmente enfrenta o crime nas ruas. Com esse controle financeiro centralizado, os estados se tornam reféns de uma política federalista disfarçada de cooperação, mas que restringe drasticamente sua autonomia.

Além disso, a padronização de boletins de ocorrência e certidões criminais, proposta como forma de integração nacional, não leva em conta que as necessidades e métodos de combate ao crime variam de região para região. Forçar essa uniformização resulta em um sistema rígido, que engessa a atuação das forças de segurança e limita a capacidade de adaptação dos estados. A PEC ignora que a flexibilidade é essencial para enfrentar crimes cujas dinâmicas mudam constantemente e que o conhecimento local é insubstituível. Um modelo padronizado, nesse contexto, representa mais um entrave burocrático do que uma solução eficiente.

Por fim, é importante refletir sobre a ideologia centralizadora embutida na PEC da Segurança Pública. Sob o pretexto de unificação, o governo federal busca o controle sobre um setor que, constitucionalmente, pertence aos estados. Em vez de respeitar o pacto federativo e apoiar as forças estaduais com recursos adequados, a PEC sugere uma concentração de poder perigosa, que subtrai dos estados a liberdade de agir conforme suas necessidades e desafios particulares. Mais do que uma proposta de integração, essa PEC ameaça deslocar as políticas de segurança para uma estrutura central que tende a desconsiderar as realidades regionais. É necessário que o debate sobre segurança pública considere a pluralidade do Brasil e reforce a autonomia dos estados, em vez de impor uma estrutura federalista que contradiz a própria essência da Constituição de 1988.

Tyago Cruz

Advogado, Especialista Direito Empresarial, Professor e Empresário.