GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
ADVOCACIA GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Gabinete
Petição AGE/GAB/ASSGAB nº. 470/2023
Belo Horizonte, 10 de novembro de 2023.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR RELATOR, MINISTRO NUNES MARQUES
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 7.488
Requerente: Procurador-Geral da República
Requeridos: Governador do Estado de Minas Gerais
Assembleia Legislativa de Minas Gerais
Relator: Ministro Nunes Marques
1. Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar,
ajuizada pelo Procurador-Geral da República, tendo por objeto a impugnação dos artigos 3º da Lei
estadual nº 22.415/2016 e 3º e 6º da Lei estadual nº 21.976/2016.
2. O Requerente sustenta que os dispositivos invocados violam “o art. 3º, IV (direito à não
discriminação em razão de sexo), o art. 5º, caput e I (princípios da isonomia e da igualdade entre homens
e mulheres), o art. 7º, XX (direito social à proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante
incentivos específicos), e os arts. 7º, XXX, 37, I, e 39, § 3º (direito de acesso a cargos públicos e proibição
de discriminação em razão do sexo quando da respectiva admissão), todos da Constituição Federal”
(grifos do original).
3. Afirmou que a Carta Federal “confere o direito de acesso em cargos, empregos e funções
públicas a todas as brasileiras e a todos os brasileiros que cumprirem os requisitos previstos em lei (art.
37, I), assim como proíbe a adoção de qualquer critério discriminatório por motivo de sexo, quando da
admissão em ocupações públicas, ressalvada a possibilidade de a lei estabelecer requisitos diferenciados
Petição 470 (76664129) SEI 1080.01.0093255/2023-66 / pg. I - DO MÉRITO. COMPATIBILIDADE DAS NORMAS IMPUGNADAS COM O
REGIME CONSTITUCIONAL
11. Frise-se, de início, que as normas em foco resultam de processo legislativo legítimo,
tendo sido observados todos os regramentos normativos inerentes, desde a propositura do projeto de lei de
iniciativa do Governador do Estado à época.
12. Os dispositivos impugnados possuem a seguinte redação:
Lei estadual nº 22.415/2016:
“Art. 3º – O número de militares do sexo feminino será de até 10% (dez por cento)
do efetivo previsto nos Quadros de Oficiais – QO e nos Quadros de Praças – QP –
da PMMG e do CBMMG e no Quadro de Oficiais Complementares – QOC – da
PMMG, não havendo limite para o ingresso nos demais quadros”.
Lei estadual nº 21.976/2016:
“Art. 3º – O número de militares do sexo feminino nos Quadros de Oficiais, de
Oficiais Complementares e de Praças da PMMG será de até 10% (dez por cento) do
efetivo previsto, não havendo limite para os demais quadros. (…)
Art. 6º – O número de militares do sexo feminino nos Quadros de Oficiais e de
Praças do CBMMG será de até 10% (dez por cento) do efetivo previsto, não
havendo limite para os demais quadros”.
13. Ao contrário do aduzido na exordial, as normas não representam violação ao princípio
da isonomia, mas, ao contrário, ratificam tal postulado constitucional em toda sua magnitude.
14. Como cediço, o princípio da igualdade é dirigido essencialmente ao legislador,
apontando-lhe os caminhos para uma diferenciação justa entre os indivíduos. Exatamente por isso se pode
afirmar que a igualdade (ou a desigualdade) é sempre relativa, devendo ser avaliada considerando-se os
aspectos tomados pelo legislador como relevantes ou imprescindíveis na definição do discrímen contido
na norma legal.
15. Nesse sentido, veja-se a lição do Prof. José Afonso da Silva
15. Nesse sentido, veja-se a lição do Prof. José Afonso da Silva:
“Quando se diz que o legislador não pode distinguir, isso não significa que a lei
deva tratar todos abstratamente iguais, pois o tratamento igual – esclarece
Petzold – não se dirige a pessoas integralmente iguais entre si, mas àquelas que
são iguais sob os aspectos tomados em consideração pela norma, o que implica
que os ‘iguais’ podem diferir totalmente sob outros aspectos ignorados ou
considerados como relevantes pelo legislador. Este julga, assim, como ‘essenciais’
ou ‘relevantes’, certos aspectos ou características das pessoas, das circunstâncias ou
das situações nas quais essas pessoas se encontram, e funda sobre esses aspectos ou
elementos as categorias estabelecidas pelas normas jurídicas (...); vale dizer que as
pessoas ou situações são iguais ou desiguais de modo relativo, ou seja, sob
Petição 470 (76664129) SEI
Bcertos aspectos” (Curso de Direito Constitucional Positivo, 2002, p. 215, g.n.).
16. O que interessa elucidar para se chegar à conclusão pela violação ao princípio da
igualdade é se o aspecto discriminador eleito pelo legislador na elaboração da norma equivale a uma
situação em que os indivíduos efetivamente se diferenciam de outra parcela de cidadãos.
17. In casu, a Procuradoria-Geral da República afirma que reservar 10% do efetivo de
cargos para as candidatas do sexo feminino e 90% para candidatos do sexo masculino equivale a
tratamento discriminatório. O problema que se coloca, então, diz respeito propriamente ao
QUANTITATIVO de cargos reservados a um e outro sexo; a norma não traz qualquer tratamento
diferenciado QUALITATIVO, o que joga por terra, data venia, a afirmativa de que dela advenha
“preconceito e discriminação à população feminina”.
18. O mundo dos fatos fornece a justificativa real, objetiva e razoável para o tratamento
QUANTITATIVO diferenciado previsto nas normas legais ora impugnadas, e isso foi adequadamente
destacado pela Polícia Militar de Minas Gerais através do Ofício PMMG/DRH/CRS-1-JURÍDICO nº.
1578/2023 (documento anexo), que fica fazendo parte integrante das presentes informações, para todos os
fins.
19. Extrai-se do referido documento, in verbis:
“(...)
Importante ressaltar que a atividade policial militar, exercida tanto por oficiais
como por praças, é eminentemente operacional, voltada ao policiamento
ostensivo de prevenção criminal, de preservação e restauração da ordem pública
nos termos do art. 142 da Constituição do Estado de Minas Gerais. Oficiais e
praças atuam diariamente nas ruas, em operações, em viaturas, seja no
atendimento de ocorrências, na atividade de recobrimento tático, de
coordenação e controle, de supervisão, etc.
Atualmente, não existe restrição institucional para que policiais do sexo feminino
exerçam qualquer atividade, em qualquer localidade do Estado de Minas Gerais.
Todavia, é importante que seja mantida uma proporção entre a quantidade de
policiais masculinos e femininos empregados nessas atividades, seja em razão
das características físicas e biológicas que diferenciam os sexos, seja pela
necessidade específica de atuação, em maior proporção, de policiais militares
do sexo masculino em atividades como revista pessoal em eventos esportivos,
formação de tropas de choque (onde é necessária estatura mais elevada) e
operações em estabelecimentos prisionais, visto que a população carcerária
brasileira é majoritariamente formada por homens.
Portanto, o percentual de 10% encontra consonância no texto constitucional e
leva em consideração aspectos de ordem técnica e pragmática atrelados à
natureza das atividades de polícia ostensiva que PMMG executa no campo da
segurança pública, bem como, conforme será aprofundado adiante, à sua atuação
como força auxiliar e reserva do Exército no contexto da segurança nacional.
(...)
A atividade policial militar, portanto, caracteriza-se pela existência de elevada
probabilidade de confronto físico, até mesmo letal, motivo pelo qual se espera que
as equipes policiais sempre venham a agir com supremacia de força. A melhor
doutrina policial militar desenvolvida pela PMMG, que é consolidada em estudos
de casos fáticos ocorridos no Estado de Minas Gerais e no Brasil, cuja seriedade a
torna referência em todo o país, se dedica a esse tema e, em suas diretrizes,
recomenda que a abordagem policial a grupos predominantemente masculinos
observe uma estrutura tática capaz de garantir sempre ao Estado a referida
superioridade.
Nesse sentido, importante frisar que uma guarnição composta exclusivamente, ou
em maioria de mulheres, poderia gerar um impacto visual dissuasivo menor a um
infrator motivado ao confronto, podendo, a depender de uma situação concreta
de ameaça à vida ou à integridade física da policial, aumentar-se o nível de força
potencialmente letal e, por consequência, a letalidade na atuação policial.
As preocupações com as questões de segurança e garantia da integridade dos
profissionais de segurança pública e da própria população, assim, perpassa pelas
questões de gênero, pois não se pode negligenciar que a análise do quantitativo de
policiais do gênero feminino deve ter como premissa a viabilização do trabalho
de força do Estado” (destacamos).
20. O que justifica o tratamento QUANTITATIVO disforme é, por um lado, o volume
proporcionalmente maior de trabalho com homens e, de outro, a desigualdade do vigor físico, fato esse
que, inclusive, tem uma consequência óbvia: as exigências regulamentares diferenciadas nos testes físicos
que compõem uma das etapas do concurso, sequer impugnados na presente ação.
21. Sobre esses aspectos justificadores da diferenciação (volume maior de trabalho dos
militares com a população masculina e vigor físico menor das mulheres), o Ofício PMMG/DRH/CRS-1-
JURÍDICO nº. 1578/2023 também não deixa dúvidas quanto ao fundamento empírico que justifica o
díscrimen:
“A PMMG precisa assegurar uma maior proporção de militares masculinos no
efetivo do QO-PM, QOCPM e do QP-PM porque os seus integrantes, ao contrário
do que ocorre com as demais carreiras da área meio, têm a função precípua de atuar
diretamente na execução de policiamento ostensivo de preservação da ordem
pública, que é atividade finalística da corporação.
Como se observa na prática policial e segundo o Departamento Penitenciário
Nacional, grande parte das pessoas abordadas pela PMMG durante as ações e
operações policiais, são homens. Inclusive, a população prisional no Estado de
Minas Gerais no período de julho a dezembro de 2019, era de um total de
74.712, sendo que destes 71.579 (95,81%) eram homens e 3.133 (4,19%)
mulheres.
Aqui abre-se um parêntese para esclarecer que a atividade policial militar, longe de
constituir uma atividade burocrática ou administrativa, é eminentemente de campo e
exige o uso constante da força.
Ademais, a praxe policial revela que, na imensa maioria dos delitos e
confrontos com policiais, os infratores envolvidos são do sexo masculino.
A propósito, em estudo que analisou os delitos cometidos na região de três
Petição 470 (76664129) SEI 1080.01.0093255/2023
militares do sexo feminino e masculino. Precedentes.
II – Embargos de declaração recebidos como agravo regimental a que se nega
provimento” (AI 786568 ED/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma,
j.30-08-2011, DJe- 178, public. 16-09-2011, g.n.).
“EMENTA: Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito
Administrativo. 3. Concurso público. Policial militar. Altura mínima. Requisito.
Previsão legal 4. Somente Lei formal pode impor condições para
preenchimento de cargos, empregos ou funções públicas. Precedentes. 5.
Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo
regimental a que se nega provimento. (ARE 1073375 AgR/GO. Relator: Min.
Gilmar Mendes. Segunda Turma. julgado em 23-03-2018. Processo Eletrônico. DJe066. data da publicação 09/04/2018, g.n.).
26. Enfim, não há nas normas impugnadas qualquer tratamento discriminatório em relação
às mulheres, mas apenas e tão somente a estipulação de limite quantitativo para o total do efetivo policial
militar, com base em estudos que revelam um envolvimento muito maior de homens nas abordagens
rotineiras da força de segurança em questão.
27. Assim, ao contrário do exposto na exordial, os dispositivos em tela não instituem
“tratamento privilegiado a homens e, concomitantemente, prejuízo, preconceito e discriminação à
população feminina” o que somente ocorreria se, sob o viés qualitativo, ocorresse alguma “distinção,
exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o
reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher (...) dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos
campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo” (art. 1º da “Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher”).
28. A improcedência da ação é, portanto, medida de rigor
II – DO PEDIDO DE MODULAÇÃO
29. Em atenção ao princípio da eventualidade, impõe-se considerar, em caso de procedência
dos pedidos, o disposto no art. 27 da Lei nº 9.868/1999, conferindo-se efeito ex nunc à eventual declaração
de inconstitucionalidade.
30. Com efeito, é certo que existem situações consolidadas que merecem amparo, em
atenção aos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, não se revelando justo, razoável e acorde com o
interesse público que sejam elas jogadas por terra, de uma hora para outra. Ademais, o documento anexo
demonstra que estão em andamento concursos públicos para ingresso nos cursos de formação da Polícia
Militar de Minas Gerais.
31. Desta forma, se algum reparo for efetuado por esta Colenda Corte em relação às normas
impugnadas, ele não deverá acarretar a pecha de nulidade aos atos administrativos já praticados, porque
deles advieram consequências, inclusive com chamamento dos candidatos aprovados, de sorte que, pelo
menos em relação aos chamamentos em curso, se garanta estabilidade jurídica para sua concretização, tão
importante no cenário atual da política de segurança pública.
Petição 470 (76664129) SEI 1080.01.0093255/2023-66 / pg. 7
32. Nessas circunstâncias, pede-se a modulação dos efeitos de eventual decisão pela
procedência dos pedidos, conferindo-se efeitos ex nunc à declaração, especialmente no tocante às
situações consolidadas sob a égide das normas impugnadas, cuja presunção de constitucionalidade rendeu
ensejo a relações jurídicas fundadas na boa-fé.
III - CONCLUSÃO
33. Em face do exposto, resulta evidente que as alegações de inconstitucionalidade
apresentadas na petição inicial se encontram destituídas de consistência jurídica.
34. Assim, fica requerido, no mérito, a improcedência dos pedidos.
35. Na remota hipótese de se julgar procedente o pleito inicial, pede-se, por cautela, e em
atenção ao princípio da eventualidade, a aplicação do art. 27 da Lei nº 9.868/1999, nos termos expostos,
dando-se efeitos ex nunc à declaração, fixando-se prazo razoável para os ajustes legais necessários.
Termos em que,
Pede deferimento.
Belo Horizonte, 10 de novembro de 2023.
MATEUS SIMÕES DE ALMEIDA
Governador do Estado de Minas Gerais, em exercício
SÉRGIO PESSOA DE PAULA CASTRO
Advogado-Geral do Estado de Minas Gerais
FÁBIO MURILO NAZAR
Advogado-Geral Ajunto do Estado de Minas Gerais
VALMIR PEIXOTO COSTA
Procurador do Estado de Minas Gerais
OAB/MG nº 91.693 - MASP 327.242-4
Documento assinado eletronicamente por Valmir Peixoto Costa, Procurador do Estado