quinta-feira, 6 de julho de 2023

 Que isso gente, eu li tudo, o que ele diz resumidamente é:


Quando criança, meu sonho era ser Policial Militar. Hoje, Policial Militar em Minas Gerais há 20 anos, estou aqui sentado na calçada da Companhia às 5 da manha, escrevendo esse desabafo e esperando alguém abrir pra eu pedir baixa. Não sei o que será de mim.

Na ponta do lápis, essa Profissão é uma inequação ofensiva, uma conta iníqua que não fecha, uma incongruência para o intelecto. E não adianta contestar com a barata psicologia reversa da “vocação”, que isso é falácia para controle psicológico de domínio e jugo, assim como o é dizer que professores não deveriam trabalhar pelo salário e sim pelo amor ao magistério. 

Filosoficamente, tais discursos são mecanismos de controle de grupos e indivíduos, afinal de contas, legisladores e governantes têm  vida de reis e deveriam ser os de maior desapego material em um Estado de misticismo vocacional. Mas não é apenas em razão do salário que a profissão Policial Militar em Minas Gerais é uma conta incongruente que não fecha.

Ser Policial Militar aqui é uma conta iníqua porque não há equidade entre encargo e recompensa, entre ônus e bônus, entre responsabilidade e poder, entre exigência e salário, entre risco e proteção jurídica. 

Exige-se do Policial Militar, por ocasião do processo de seleção, perfeição na saúde, no preparo físico, na capacidade intelectual e na sanidade mental. Em nenhum outro concurso no Brasil há tamanha exigência. Juízes, Promotores, Médicos - em nenhum outro concurso no Brasil exige-se tanto quanto nos concursos de Polícia Militar. Um osso emendado te elimina, um pé chato te elimina, um centímetro a menos te elimina, um dente torto te elimina, uma doença congênita te elimina, uma briga de trânsito te elimina, um dia a mais na idade te elimina... e não há nada de errado em tais exigências. Como disse, o problema é de inequação, sendo razoável que se exija tudo isso, já que, no exercício da função, o Policial Militar necessitará de tudo que dele se exige.

No cotidiano, o policial militar é a mão visível e concreta do Estado. O Policial Militar é o próprio estado materializado. É ele o rosto e a imagem ostensiva da entidade abstrata chamada Lei; ele é a mão do Rei, o verbo feito carne entre os governados, o elemento átomo da Norma, da Ordem e do Estado Democrático de Direito, e sem ele o verbo é só letra, a lei é só papel, governador é só título, toga é só pano, e a civilidade é apenas um conceito abstrato e vazio.

É ele a luz vermelha que dá paz na madrugada para dormir e segurança no dia para trabalhar; é ele o entremundos que permeia as bolhas desiguais da sociedade e acessa as realidades que o trono sequer desconfia que existe… é a boca que conscientiza e orienta, as mãos que contem, que detém, que protege e que pune… é ele o peito que para a bala.

Então é em razão dessa tamanha responsabilidade que surge a exigência que, de todos os indivíduos, selecione-se os de melhor capacidade física, intelectual e psicológica. Há de saber no dia a dia, tanto quanto, e ate mais, do que um juiz, posto ter de aplicar “in loco” e no flagrar dos fatos, leis como a 10.406\2002, o DL 2848\40, o DL 3689\41, a Lei 13.105\2015, o DL 3688\41, a Lei 9.503\97, a lei 11.340\2006, a lei 11.343\2006, a lei 13.869\2019, a lei 8.069\90, a lei 10.741\2003, a lei 7.716\1989, o DL 1001\69, o DL 1002\69, a lei 5.301\69, a Lei 14.310\2002, Tratados Internacionais de Direitos humanos e, sobretudo, na ponta da língua, a Constituição Federal.. 


há também de saber na prática defesa pessoal com aplicação de técnicas de jiu-jítsu, judô, boxer e muay thai; há de saber também gerenciamento de crise, a manter-se frio e racional em meio a distúrbios de massa, tentativas de suicídio, surtos psicoticos, sangue, esmagamentos, corpos putrefatos e morte.

É ele quem chega quando ainda há fogo, há tiro e há risco… e é dele que, no flagrar do sangue, da dor e da morte exige-se juridicamente a habilidade de processar conhecimentos de direito, física, psicologia e análise probalística para apertar o gatilho…mas não são desarrazoadas tais exigências, afinal, como disse, a questão é de inequação - de descalibragem nos pratos da balança. 


O policial militar não pode fazer “bico”, não pode ter outra fonte de renda, pois a sua função é de dedicação exclusiva, não pode morar em qualquer lugar, frequentar qualquer lugar, falar o que pensa, vestir-se como quer, candidatar-se ou se alinhar politicamente - e nada disso é desarrazoado, mas é iníquo, é injusto e axiologicamente ilegal e imoral não calibrar a contrapartida, as condições para que realize sua função sem surtar e, fulminantemente, partir antes dos 50.

Perdi recentemente 4 dos meus melhores amigos, e não os perdi pela bala do inimigo, mas pela caneta envenenada do Rei, que, ora escrevendo e ora se omitindo, transfixou-os na mente e na alma, tornando-os alfozes de si mesmos. 


O Estado está matando seu próprios homens, e isso é um tabu que ninguém quer expor aqui dentro, afinal, como disse, não nos aplica o art 5 da CF, não sendo nós, Policiais Militares, sujeitos de direito à opinião e pensamento…

Semelhantemente ao episódio de Chaves, em que Dona Florinda manda que Quico saia à chuva mas não se molhe, o Estado se volta contra a própria força policial, sua mão, como se dela fosse inimigo,  impingindo-lhe a obrigação de agir e não agir ao mesmo tempo, tornando-a ré a responder imputação de maior gravidade em cada intervenção que realiza, invertendo hediondamente a presunção de verdade e de culpa, e pervertendo os princípios axiológicos do garantismo de Ferrajoli, que, indiscutivelmente, fundamentam-se em “la legge del piu debole”, para proteger o mais fraco e inocente do poder desproporcional do Estado, o que, no entanto, não justifica o tratamento desrespeitoso de presunção de mentira e abandono jurídico com que é tratado o Policial Militar. Ou, conforme as palavras do Rei, que se confessa assustado com o fato de se demitir mais Policiais em Minas do que demite ele próprio em suas empresas privadas.

A policia Militar é a única profissão a que hoje é inerente a contraofensiva jurídica, e, ironicamente, a que o Estado não garante assistência jurídica efetiva, sendo que, de 10 atuações policiais, 8 tem resultado em contrapocesso em desfavor dos militares- na maioria delas evidentemente sem justa causa, mas que impinge ao militar a preocupação com a defesa, com o gasto e com a repercussão disso no seu salário já defasado. 


Em conversa com colegas faca na caveira, fizemos um rápido levantamento e constatamos que, de 60 homens da nossa unidade, mais de 40 tomam algum tipo de antidepressivo, e que as mesmas ações que transtornos psicológicos e processos lhe renderam ombrearam nos oficiais superiores mais estrelas; que o numero de suicídios entre nós supera as mortes em confronto; que a expectativa de aposentar-se é muito pequena em razão do excesso de processo sem assistência jurídica de qualidade;que há um abismo entre a remuneração final de oficiais e praças, criando-se um verdadeiro sistema de castas e apartheid social na tropa; que, enfim, ou a Polícia  Militar de Minas Gerais se reconstroi em defesa institucional dos seus ou será implodida, numa catastase de putrefação de dentro pra fora com a fuga de cérebros, suicídio dos caveiras e desalento dos peões!


Desculpem o desabafo sem roteiro e sem sintaxe, meus irmãos, afinal escrevo isso na sarjeta do abismo

Grau, empinar moto, chamar no giro

  Balanço da operação REDS Totais 196 BOS Totais (ações preventivas) 24 Pessoas Abordadas 603 Locais Fiscalizados 81 Total de Veículos fisca...