Pouco mais de um ano após dar um reajuste geral de 10,06%, o governo de Minas se encontra, mais uma vez, em um cenário desafiador na relação com seu funcionalismo. Depois de encaminhar um projeto de lei para recompor o salário da educação em 12,84% e adequá-lo ao piso nacional, há pressão de todos os lados: a segurança pública argumenta por um reajuste de 35%, enquanto os trabalhadores da Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig) querem a derrubada de duas resoluções que retiram direitos. Entre os demais servidores administrativos, a demanda por recomposição também está presente, principalmente após o aumento de 298% dado pela Assembleia ao primeiro escalão da Cidade Administrativa – inclusive o governador Romeu Zema (Novo).
A reportagem de O TEMPO conversou com integrantes de diferentes categorias. A sensação de todos é comum: falta diálogo para receber o funcionalismo e ouvir as demandas. Oficialmente, no entanto, a atual gestão refuta a análise das entidades. “Somente no ano de 2023, desde 1º de janeiro, foram realizadas, apenas pela Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag-MG), 31 reuniões com entidades sindicais e representantes de servidores. Nos últimos quatro anos, foram 332 reuniões”, informou a Seplag em nota.
De acordo com a pasta, a secretária Luísa Barreto, a presidente da Fhemig Renata Dias, a subsecretária de Gestão de Pessoas Kênnya Kreppel e a assessora de Relações Sindicais Helga Gonçalves se reuniram com trabalhadores da saúde das 17h30 às 20h15 para discutir demandas da categoria. “O governo reitera, mais uma vez, a disponibilidade para a interlocução e o diálogo direto com os servidores e seus representantes de todas as categorias do funcionalismo”, completou.
Presente à reunião com Luísa Barreto, o presidente da Associação Sindical dos Trabalhadores em Hospitais do Estado de Minas Gerais (Asthemg) Carlos Martins diz que não houve avanço nas negociações. A categoria pede a derrubada de uma resolução que retira o direito de pais de filhos com necessidades especiais terem uma carga horária de 20h por semana, em vez de 30 ou 40h, a depender da carreira. Outra solicitação é a extinção de outra medida que instituiu o 11º plantão mensal, sem qualquer ganho financeiro dos profissionais.
“A ideia deles era abrir negociação. A gente teria que apresentar uma proposta alternativa até 30 de junho. Mas, em troca, eles querem que a gente suspenda a greve. Não vamos aceitar isso”, diz. Segundo Carlos Martins. A negociação pela suspensão da paralisação iniciada em 5 de junho não andou porque o governo não se comprometeu, oficialmente, a não aplicar sanções aos servidores que aderiram ao movimento.
Ainda na saúde, há demanda por melhorias no atendimento do Hospital do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg). De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público do Estado de Minas Gerais (Sindpúblicos-MG), o problema acontece, principalmente, no setor de exames de imagem. O diretor político da entidade Geraldo Henrique afirma que um ofício já foi enviado à Seplag com as demandas, mas não há retorno.
“O diálogo do governo com o movimento sindical nunca existiu. O Zema está no segundo mandato sem nunca ter sentado com o funcionalismo. Nem ele, nem os vice-governadores (Paulo Brant e Mateus Simões). Quem recebe o movimento sindical, ainda que de vez em quando, é a secretária de Planejamento (Luísa Barreto)”, afirma Geraldo.
Greve na segurança?
Na segurança pública, a articulação é por um reajuste de 35,44%, que considera as perdas inflacionárias que vêm desde 2015, excluindo o ano passado, quando o governo deu um reajuste de 10,06%, e 2019, quando houve aumento de 13%. Atualmente, a categoria trabalha em regime de estrita legalidade, no qual apenas os serviços essenciais são prestados. No entanto, uma assembleia vai acontecer no próximo dia 21, quando uma paralisação pode ser articulada. O encontro vai acontecer na Praça da Assembleia, no bairro Santo Agostinho, região Centro-Sul de BH.
“A questão é que o governo não quer. Tem dinheiro em caixa. Foi falado inclusive pelo Sindifisco (Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de Minas Gerais). O governo já tem uma previsão orçamentária de nove anos, que foi enviada ao governo federal para adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. É o nosso direito, nem que seja parcelado”, diz a presidente da Associação dos Escrivães da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais (Aespol) Aline Risi.
O presidente da Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares (Aspra/PMBM) Héder Martins reforça o descontentamento. “A gente quer acreditar na capacidade de diálogo com o governo, para que ele cumpra a palavra dada durante a campanha. Ainda há espaço para negociação, mas o governo não abriu esse espaço. Essas declarações (do governador) são um balão de ensaio. O governo pode arrastar (a negociação) até o recesso parlamentar do meio do ano e, depois, oferecer algum reajuste menor, como o oferecido em janeiro, entre 5% e 6%”, explica.
Uma terceira liderança conversou com a reportagem sob condição de sigilo. Segundo essa pessoa, a categoria da segurança pública também está descontente com a atuação parlamentar dos deputados estaduais que a representam. Há o entendimento de que esses políticos compõem a base governista, deixando de lado as demandas dos servidores, principalmente aqueles de patentes mais inferiores da carreira.
Sem ceder
Mesmo após o governo de Minas Gerais enviar à Assembleia o Projeto de Lei 822/2023 para dar reajuste de 12,84% à educação e abrir mão das profundas mudanças na Fundação Caio Martins (Fucam), por meio do PL 359/23, o consenso da gestão com o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SindUTE-MG) ainda está longe de ser alcançado.
Ao contrário das outras entidades, a presidente do Sind-UTE MG Denise Romano acredita que o problema do governo não é de agenda. Segundo ela, reuniões com o governo de Minas com a categoria até acontecem, mas não resultam em medidas práticas. “O problema do governo não é (a marcação de) reunião, mas uma indisposição no processo negocial. Nós tivemos uma reivindicação de (reajuste de) 14,95%, apresentada desde janeiro, mas o governo enviou um projeto à Assembleia de 12,84% (de aumento). Foi a mesma coisa no ano passado, quando estávamos em greve pelo reajuste do piso. Estávamos num processo de mediação no Tribunal de Justiça, mas o governo apresentou a proposta dele de 10,06% e não arredou o pé”, diz Denise.
No ano passado, o imbróglio também foi parar na Justiça. Uma emenda ao PL que concedeu o reajuste de 10,06% pretendia elevar os vencimentos da educação em 33%. A alteração passou na ALMG, mas foi vetada pelo governador. O Legislativo derrubou o veto, o que faria a incorporação ser incluída na lei, mas a gestão estadual foi à Justiça, que anulou o reajuste.
“É uma prática comum. O governo judicializou todas as greves que a educação fez. Numa negociação, os dois lados precisam ceder e construir um meio-tempo, mas isso não acontece com o governo do Estado de Minas Gerais”, completa Denise Romano.
Problema antigo
O sentimento de distanciamento entre o Executivo de Minas Gerais e seus servidores não é exclusividade da gestão de Romeu Zema. Os governadores anteriores também viveram momentos conturbados na relação com a administração estadual. Fernando Pimentel (PT), por exemplo, sofreu grande resistência após parcelar os vencimentos do funcionalismo e não pagar o 13º salário de 2018, empurrando a questão para o sucessor do Novo.
A falta de diálogo também é reclamação comum neste século quando a análise se volta aos anos em que o PSDB governou Minas Gerais, entre 2003 e 2014, principalmente na gestão do atual deputado federal Aécio Neves. Mais poupado pelos servidores ouvidos pela reportagem, o atual ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Antonio Anastasia, que comandou Minas pelos tucanos entre 2010 e 2014, é visto como mais tolerante às negociações pelas entidades.