Por Sandra Zanella
Quatro anos depois do tiroteio envolvendo policiais civis mineiros e paulistas no estacionamento do Centro Médico Monte Sinai, na Zona Sul de Juiz de Fora, a Corregedoria da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) não concluiu o Processo Administrativo Disciplinar relacionado ao caso. Já na Justiça, os réus recorreram da sentença proferida em março de 2020, mas a apelação ainda não foi julgada pela 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), segundo a assessoria do órgão. A troca de tiros em 19 de outubro de 2018 ganhou grande repercussão nacional por envolver policiais, duas mortes, inclusive de um investigador, e malas apreendidas com cerca de R$ 14 milhões – a maioria em notas falsas.
Embora o inquérito policial instaurado pela PCMG tenha sido concluído em dezembro de 2018, com indiciamento dos investigadores Marcelo Matolla de Resende, 49 anos, Leonardo Soares Siqueira, 50, e do escrivão Rafael Ramos dos Santos, 34, pela prática de crime de roubo qualificado (latrocínio), o processo disciplinar encontra-se em fase de instrução (etapa em que são colhidas as provas), conforme a assessoria da instituição.
À frente do processo que tramitou em segredo de justiça na 4ª Vara Criminal da Comarca de Juiz de Fora, o então juiz Cristiano Álvares Valladares do Lago condenou o escrivão Rafael a sete anos e dois meses de prisão pelos crimes de tentativa de estelionato, tentativa de lavagem de capitais, associação criminosa com emprego de arma de fogo e fraude processual. Os investigadores Leonardo e Marcelo também foram sentenciados pelos mesmos delitos, a sete anos e dois meses, e a sete anos e 11 meses, respectivamente.
Os três policiais ainda foram penalizados com a perda dos cargos na Polícia Civil, “considerando a prática de crimes absolutamente incompatíveis com o exercício da função pública”. Na ocasião do tiroteio, eles eram lotados na 1ª Delegacia Regional de Juiz de Fora. O trio, entretanto, foi absolvido da acusação de duplo latrocínio (roubo seguido de morte). Os crimes eram referentes aos óbitos do policial civil juiz-forano Rodrigo Francisco, 39 anos, o Chicão, assassinado com cerca de 20 tiros, e do proprietário de empresa de segurança particular paulista Jerônimo da Silva Leal Júnior, 42, baleado várias vezes no abdômen. Ele chegou a ser socorrido e ficou internado, mas também não resistiu.
Questionada sobre a situação atual dos policiais envolvidos, que chegaram a ser afastados de suas funções à época do ocorrido, a assessoria da PCMG reforçou que o Processo Administrativo Disciplinar encontra-se em andamento. “As informações acerca do procedimento poderão ser repassadas apenas com a conclusão dos trabalhos policiais.”
Advogado condenado é preso quatro anos depois
Além dos policiais mencionados, em março de 2020 também foram condenados pela 4ª Vara Criminal de Juiz de Fora: Antônio Vilela, 70 anos, apontado como estelionatário e que foi ferido com um tiro no pé, sendo detido em flagrante no dia do crime; Sérgio Paulo Marques Guerra, 44, suposto comparsa de Vilela; Nivaldo Fialho Cunha, 56, motorista do carro onde estavam as malas apreendidas com R$ 14 milhões (grande parte em notas falsas); e o advogado Jorge William Ponciano Rosa, 47, identificado no local dos fatos em companhia dos policiais mineiros. As penas, pelos crimes de tentativa de estelionato, tentativa de lavagem de capitais e associação criminosa variaram de sete anos e dois meses a oito anos e cinco meses.
Na época da sentença, Jorge Ponciano e Sérgio Paulo foram considerados foragidos da Justiça, sendo expedidos mandados de prisão contra eles. Ponciano foi capturado apenas no último dia 7 de outubro em Juiz de Fora. Uma equipe da Polícia Militar fazia patrulhamento pelo Bairro Poço Rico, Zona Sudeste, quando avistou o suspeito na esquina das ruas Osório de Almeida e Antônio Dias, no Poço Rico. Ele foi abordado e, ao verificar o sistema informatizado, a PM constatou que permanecia em aberto o mandado de prisão expedido contra ele pela 4ª Vara Criminal.
Situação prisional
A Tribuna entrou em contato com a assessoria da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) para saber a atual situação prisional dos condenados no caso. Apenas os três policiais civis e Antônio Vilela chegaram a ser presos em flagrante. Na movimentação mais recente, o escrivão Rafael dos Santos esteve sob monitoração eletrônica com tornozeleira entre 6 de maio de 2020 e 27 de julho do mesmo ano, quando foi desligado do monitoramento por determinação da Justiça. O investigador Marcelo Matolla teve registro de entrada na Casa do Policial Civil, em Belo Horizonte, em 28 de setembro de 2020. No dia 4 de dezembro daquele ano, ele obteve alvará de soltura concedido pela Justiça. Já o investigador Leonardo Siqueira ficou com tornozeleira eletrônica entre 5 e 18 de maio de 2020, sendo também liberado do uso do equipamento por ordem judicial.
Em relação aos demais condenados na primeira instância, Nivaldo permanece em prisão domiciliar, com uso de tornozeleira, desde 8 de janeiro de 2021. Quando foi preso no dia 7 deste mês, o advogado Jorge Ponciano foi encaminhado à Penitenciária Ariosvaldo Campos Pires, em Juiz de Fora. A Sejusp não localizou Sérgio Guerra e Antonio Vilela como custodiados no sistema prisional administrado pelo Departamento Penitenciário de Minas (Depen-MG). A assessoria do TJMG, por sua vez, informou que, segundo a 4ª Vara Criminal de Juiz de Fora, não existe mandado de prisão em aberto nos autos do referido processo. Outras informações não puderam ser divulgadas, porque o caso tramita sob segredo de justiça.
Relembre o caso
A troca de tiros aconteceu por volta das 16h30 do dia 19 outubro de 2018, dentro do estacionamento subsolo do Centro Médico Monte Sinai, na Avenida Itamar Franco, próximo à UFJF. Nos autos do processo consta a apreensão de 17 armas de fogo, que estariam em poder dos envolvidos. O tiroteio teria começado após a escolta armada de empresários paulistas, coordenada pelo falecido Jerônimo da Silva Leal Júnior, ter descoberto a farsa sobre os milhões em notas falsas levados pelo grupo de Antônio Vilela, que estaria sendo escoltado pelos policiais mineiros. A negociação supostamente envolveria a compra de U$ 1 milhão, que seriam pagos com as seis malas apreendidas, mas os empresários paulistas negaram essa versão e alegaram em depoimento que vieram a Juiz de Fora em busca de empréstimo. De acordo com a denúncia do Ministério Público, o grupo de Juiz de Fora teria tentado induzir ao erro os empresários paulistas, “mediante artifício ardil”, com 147.633 notas falsas, “devidamente embaladas em pacotes plásticos e misturadas com notas originais (R$ 56 mil), simulando o montante de R$ 14.673.300”.
Na sentença, o então juiz Cristiano Valladares do Lago destacou que “desde o início, Antônio e Sérgio já estavam planejando dar um golpe no empresário de São Paulo, mediante a entrega de notas falsas em troca de vantagem financeira não exatamente definida nos autos”.
Segundo o magistrado, em determinado momento da negociação, “Antônio abre a mala do carro e mostra as malas com o dinheiro, oportunizando a verificação de sua autenticidade (até porque as notas que estavam por cima eram autênticas, mas a grande maioria era falsa). Neste momento, Jerônimo desconfia de que se tratavam de notas falsas, então saca sua arma, rende Antônio e anuncia que se tratava de um golpe. O empresário (paulista) sai imediatamente do estacionamento e volta para o hotel. O delegado (paulista) também saca sua arma e rende Sérgio. Nivaldo permanece quieto dentro do carro. Ao lado de fora do estacionamento, de forma concomitante, os policiais de São Paulo chegam próximo à entrada, quando são rendidos por Rodrigo Francisco – Chicão, Leonardo, Rafael e Matolla. (Esses) permanecem próximos à entrada do estacionamento, ficam conversando e apurando o que estava efetivamente acontecendo, até que souberam que os rapazes abordados eram policiais de São Paulo e que estavam fazendo uma escolta VIP, até que o irmão de Jerônimo diz que ele e outras pessoas estavam no interior do estacionamento, quando então Chicão desce ao interior do estacionamento e encontra Jerônimo rendendo Antônio, e Rafael desce atrás de Chicão e se depara com o delegado (paulista) rendendo Sérgio, momento em que Chicão fala ‘perdeu, polícia’ e, neste momento, começa o tiroteio. Não se sabe exatamente quem deu o primeiro tiro, mas sabe-se que Jerônimo descarregou sua arma em Chicão, que conseguiu também alvejar Jerônimo. Chicão fica caído, morto, no local dos fatos, e Jerônimo restou caído também no estacionamento, muito ferido, sendo socorrido posteriormente.”
Ainda conforme a sentença, antes do tiroteio começar, o empresário paulista que estava no estacionamento conseguiu sair e ir direto para o hotel, relatando o ocorrido para os outros dois parceiros. Os três foram direto para o aeroporto e embarcaram de volta para São Paulo, “levando consigo poucas malas, inclusive uma mala que é vista por imagens do sistema de segurança do hotel sendo carregada, estranhamente, com um cuidado muito especial”. “Apurou-se ainda que, no dia dos fatos, Matolla e Rafael estavam de folga, Leonardo havia trabalhado de manhã na banca examinadora do Detran e devia se apresentar às 14h perante a inspetoria, o que não foi cumprido por este. Portanto, não estavam no exercício de suas funções no momento dos fatos e muito menos em alguma operação policial devidamente comunicada aos seus superiores.”
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